Caneta Estudantil

CANETA ESTUDANTIL

Essa seção busca erguer pontes entre o movimento estudantil nacional. 
Em cada edição, reservamos o espaço para estudantes de uma região diferente compartilharem suas reflexões. Aqui você também encontra iniciativas estudantis de todo o Brasil. 

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Por que as justiças ecológica e social são uma só

João Raiel (CAECON – UFPA/Belém)

Hoje, a fronteira do debate econômico sobre a crise ambiental se digladia entre duas correntes principais: a Economia Ambiental e a Economia Ecológica. A Economia Ambiental segue a corrente neoclássica e tem maior defesa no Sul, Sudeste e Centro-Oeste brasileiros, e se ocupa de traduzir variáveis ambientais em econômicas. Nesse sentido, ela identifica externalidades negativas (danos que não afetam as empresas e fogem ao controle do mercado) para inseri-los no cálculo de eficiência, isto é, de crescimento econômico sob o menor custo social/ambiental possível. Assim, ela reduz problemas concretos à falta de direitos de propriedade no ecossistema – procurando definir donos para o ar puro, a chuva, o rio, a fauna e a flora.  Tal corrente é, ainda, sustentada por uma educação ambiental de formação ecológica individualista, apresentando soluções mercantilizadoras para a crise ambiental. E; essa é, segundo Marilena Loureiro (, pós-doutora paraense em Educação Ambiental e Justiça Climática), a abordagem pragmática-comportamental, que atravessa desde o Ensino Básico até o Ensino Superior de nós, jovens cientistas sociais, e que se alinha à lógica de acumulação do capital. 

Já a Economia Ecológica, mais expressiva no Norte e Nordeste do país, nasce de uma abordagem transdisciplinar e sistêmica das ciências naturais. A complexidade dos danos ambientais é assumida em todas as suas faces, recorrendo às ciências exatas e humanas para explicar os limites da natureza diante da destruição humana. Não vale, para essa corrente, apenas calcular a melhor eficiência para o uso de recursos escassos, mas derrubar barreiras disciplinares para mudarmos radicalmente nossa relação coletiva com o mundo, a sociedade e nossa escala de produção. 

Apesar da refinação teórica da Economia Ecológica e de seu alinhamento com as tendências contemporâneas da abordagem científica e acadêmica, a hegemonia de nossa formação como economistas, hoje, ainda se apega à ortodoxia da Economia Ambiental. Grandes eventos mundiais sobre meio ambiente – como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), cuja trigésima edição será em 2025 no Brasil, em Belém do Pará – ainda se alinham com a perspectiva reformista do atual sistema econômico, sem reexaminar os distintos interesses das partes que negociarão o futuro do planeta e mantendo os princípios individualistas e mercantilizadores da abordagem do tema. 

Na contramão, é preciso partir da reflexão crítica e, como economistas brasileiros e latino-americanos, posicionarmo-nos em um sentido contra-hegemônico diante dessas abordagens científicas conservadoras, que apenas beneficiam as grandes potências e o capital. O frescor dessa atitude reside em abordagens inovadoras, como a racionalidade ambiental, proposta pelo economista mexicano Enrique Leff, que reconhece a crise ambiental como uma crise do saber: a raiz desse problema é a ruptura da relação de nossa sensibilidade com a razão científica. Assim, o autor latinoamericano rejeita o utilitarismo econômico, o colapsismo e reivindica valores como o erotismo (reconhecido na sensualidade da vida), a alteridade (reconhecimento do outro) e os conhecimentos dos povos tradicionais (contemplados pela dita complexidade ambiental). 

Tendemos a considerar que o maior desafio atual do movimento ambientalista é a conscientização ambiental. No entanto, há plena ou parcial consciência da crise ambiental: por gerações, como a nossa, que respondem com a indiferença intertemporal “Não estarei vivo quando tudo acabar”; por parte de cidadãos amazônidas vulneráveis que aceitam contratos predatórios vendidos como a salvação econômica local (FOLHA, 2020); e pelas grandes empresas que se aproveitam dos ditos refugiados climáticos, lucrando com a vulnerabilidade socioambiental criada em localidades compostas por pessoas racializadas (pretos, latinos, indígenas, quilombolas…) à margem da assistência do Estado (FERDINAND, 2022a). O maior desafio para enfrentar a crise ambiental hoje é, na verdade, a sensibilização ecológica: além de conscientizar, o discurso que apresenta a crise deve mobilizar as gerações atuais e aproximar-se das identidades e demandas sociais das pessoas vitimadas, criticando suas dinâmicas estruturais.

“[As classes abastadas] sentem-se […] menos ansiosas para alargar a liberdade no conjunto da sociedade do que aqueles que, com escassos rendimentos, têm de se contentar com um mínimo de liberdade. […] Embora as restrições por ela [a redistribuição] implicadas [pela redistribuição] sejam universais, os privilegiados tendem a senti-las como se fossem dirigidas exclusivamente contra eles.” (POLANYI, 1944, pp. 417-418). 

Dessa forma, é perceptível como as justiças ecológica e social são uma só. É preciso reconhecer razões, às vésperas da atenção global e reunião das partes, para nós, jovens, darmos continuidade ao dever coletivo com a humanidade, superando a separação de sujeitos do discurso colapsista neoliberal (HAN, 2022b); é preciso escutar as demandas por desenvolvimento econômico dos vários povos antes de reafirmar qualquer agenda ambiental sobre eles; é preciso nomear os calculados refugiados climáticos, reconhecendo o racismo ambiental já nessa abstração em números e estatísticas que não traduzem a profundidade social da fratura ecológica. Na fronteira desse debate, como economistas brasileiros, temos que assumir nosso papel como cientistas sociais críticos e advogar a Economia como ela é de fato – ecológica, transdisciplinar e sensível!


João Raiel é Graduando do curso de Economia da Universidade Federal do Pará UFPA –- universidade marcada pelas conquistas do movimento estudantil e por seus méritos acadêmicos –— além de ocupar a cadeira de Diretor Acadêmico na Federação Nacional dos Estudantes de Economia (FENECO) e a presidência da 48° edição do Encontro Nacional de Estudantes de Economia (ENECO), em 2025.


Referências no texto

FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022a

Han, Byung-Chul. 2022. A expulsão do outro: sociedade, percepção e comunicação hoje. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

Han, Byung-Chul. 2021. Capitalismo e impulso de morte: ensaios e entrevistas. Editora Vozes.

Leff, Enrique. 2009. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e Realidade, vol. 34, n. 4, set.-dez, pp. 17-24. 

Loureiro, Marilena. 2013. A educação ambiental no ensino superior brasileiro: do panorama nacional às concepções de alunos(as) de pedagogia na Amazônia. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. especial, março.

POLANYI, Karl. 1944. A Grande Transformação: as origens da nossa época. 2a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

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