Nessa edição
O véu de fumaça

O ano de 2024 foi marcado por extremos climáticos trágicos: enchentes no Rio Grande do Sul, seca na Amazônia, ondas de calor no centro-sul e muitas queimadas. A crise climática está se tornando palpável, e o mundo todo discute a transição energética. Como emitir menos carbono, e pelo menos frear o aquecimento?
Mas enquanto se discutem as saídas para os combustíveis fósseis – a principal fonte de gases de efeito estufa no mundo – o Brasil depende ainda de outro debate. Hoje nosso país possui mais gado bovino do que gente, e a fermentação digestiva desses animais produz gases de impacto equivalente a toda nossa queima de combustíveis. Mas sobretudo temos muito, muito desmatamento, que todo ano causa cerca de metade das nossas emissões. Quem é o culpado pelo desmatamento? Fazer essa pergunta esbarra no conceito altamente politizado de “agronegócio” e sua força econômica. O que é o “agronegócio”, e qual sua relação com o desmatamento? Veja em:
O debate climático tem esse obstáculo no nosso país, mas no plano internacional existem diversos outros entraves. Uma grande aposta para o problema das emissões de gases do efeito estufa tem sido a criação de “mercados de carbono”. Criar uma mercadoria – o direito de emissão – e deixar o mercado resolver tudo. Como funciona? Funciona? Veja em:
Nesta e nas próximas décadas, vamos conviver com o agravamento dos eventos climáticos, ao lado das disputas políticas em torno do seu enfrentamento. Temos de ter clareza sobre o que está em jogo, e afastar as armadilhas discursivas que ofuscam a responsabilidade, e a solução. A conta da destruição da natureza chegou, mas aqueles que se beneficiaram até aqui lavam as mãos.
Dependentes de parasitas
Nesse mundo globalizado, o capital transita desimpedido entre países com uma velocidade perigosamente instável. Em 2024, o final do ano foi marcado por uma corrida do dólar, cuja disparada acirrou a opinião pública. O câmbio, como um caprichoso jogo de forças, logo recuou, mas o que isso nos diz sobre a vulnerabilidade de nossa economia?
O mais irônico é que boa parte desse capital externo não é exatamente “externo” – é dinheiro de brasileiros que, para evitar nossa instabilidade, ou nossos impostos, transferem suas finanças para além-fronteiras e só retornam temporariamente. Nacionais ou não, esses recursos estão prontos para abandonar o país a qualquer momento. Mas a solução não é fácil, pois somos dependentes deles em um ciclo vicioso de subordinação.

Esse quadro – generalizado na América Latina – tem raízes no sistema monetário mundial, e se consolidou na virada dos 1980 sob influência dos EUA. Suas consequências são profundas: a desconfiança da nossa moeda a torna vulnerável a crises cambiais, e embasa um sistema financeiro de altíssimos juros que não financia nada a longo prazo. Mas para romper com essa situação, precisamos tanto de bancos públicos de desenvolvimento (coordenados com um Banco Central menos autônomo…), como de cooperação regional entre as moedas do Sul Global. Não podemos ser ilhas isoladas, ignorando as penúrias de vizinhos sob a especulação cambial. Veja em:
A hierarquia mundial através das moedas
A outra frente de combate está nos impostos. Multinacionais e superricos, encastelados em seus paraísos fiscais, deixam vazios nossos cofres públicos. Por um lado, em 2024 vimos o G20 defender a tributação desses grupos, e a OCDE avançar na implementação de um imposto mínimo mundial – primeiros passos, ainda insuficientes. Mas esses passos só foram possíveis graças ao trabalho de conscientização da sociedade sobre a enorme injustiça fiscal no mundo, a partir de revelações sobre o comportamento fiscal e financeiro das grandes empresas e dos bilionários que hoje controlam o mundo. Veja em:
A dependência do Brasil em relação ao capital global é também uma questão de como entendemos nossa posição no mundo e como lutamos por um futuro mais justo. A batalha pela justiça fiscal e pela soberania brasileira começa na disputa de narrativas.