Para que(m) serve ser economista?

Entrevista com Laura Carvalho

Laura Carvalho escritora, professora associada do departamento de Economia da FEA-USP e diretora global de Prosperidade Econômica e Climática da Open Society Foundations.

Laura Carvalho escritora, professora associada do departamento de Economia da FEA-USP e diretora global de Prosperidade Econômica e Climática da Open Society Foundations.

Laura Carvalho é professora associada do departamento de Economia da FEA-USP e hoje atua como diretora global de Prosperidade Econômica e Climática da Open Society Foundations. É famosa por seu trabalho de comunicação da economia progressista, incluindo a publicação de seus dois livros: Valsa Brasileira, de 2018, e Curto-Circuito, de 2020. Também foi colunista da Folha de São Paulo, podcaster (no saudoso Entretanto, que dividiu com Renan Quinalha), e uma das fundadoras do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, o MADE-USP. Sua pesquisa envolve os tópicos de macroeconomia e desenvolvimento econômico, com foco na relação entre o crescimento econômico e a distribuição de renda. Se você não acompanha o trabalho da Laura, certamente não esteve na internet nos últimos anos!


Laura, qual a importância de pesquisar a desigualdade?

A desigualdade é uma variável fundamental para se entender a dinâmica macroeconômica. Para avaliarmos o efeito de políticas econômicas sobre o crescimento, por exemplo, não basta olhar para os agregados macroeconômicos, é importante analisar como a renda é distribuída. Pessoas mais pobres consomem tudo ou quase tudo que ganham, enquanto os muito ricos consomem uma parte muito pequena da sua renda. Isso significa que uma medida que redistribui renda do topo para a base da pirâmide, por exemplo taxando os mais ricos e transferindo benefícios sociais às pessoas mais pobres, tem a capacidade de estimular o consumo e, assim, o PIB. Ou seja, mesmo as políticas neutras do ponto de vista fiscal podem impactar a economia pelo seu efeito de redução da desigualdade. Há evidências de que quanto mais alta é a desigualdade, menos robusto e menos sustentado é o crescimento econômico. Isso sem falar nos custos da desigualdade para a democracia, e suas consequências para a estabilidade econômica a longo prazo.

Hoje, entendemos que a visão neoclássica é predominante nos cursos de graduação em ciências econômicas. Quais são, para você, os limites dessa teoria para entender o mundo em que vivemos?

Os modelos matemáticos são muito úteis como forma de representação da realidade em economia, nos ajudam a formar uma visão teórica coerente das relações micro e macroeconômicas. Mas a visão neoclássica costuma limitar a compreensão de elementos fundamentais dessa realidade. Me preocupa, em particular, o quanto esses modelos não capturam a complexidade de um sistema econômico formado por agentes (firmas e famílias) muito diferentes entre si, que se comportam de forma distinta e irracional. As propriedades emergentes desse sistema são historicamente determinadas, dependem do passado e das interações com outros agentes. Por isso a teoria neoclássica tem tanta dificuldade de tratar as crises financeiras, por exemplo. As crises financeiras são geradas por interações entre agentes que por natureza desviam as economias das trajetórias de equilíbrio previstas pelo modelo neoclássico.

Laura, pensamos bastante sobre a necessidade de aproximação dos conceitos da economia com a vida cotidiana da nossa população. Sendo autora de sucessos da economia brasileira como Valsa Brasileira e Curto-Circuito, que pontos você acredita serem essenciais quando pensamos em tornar a pesquisa em economia palatável ao grande público?

Os economistas têm seu próprio linguajar, e muitas vezes gostam de utiliza-lo para ganhar autoridade e disfarçarem suas escolhas políticas por trás de discursos técnicos. Toda pesquisa científica especializada será de difícil acesso do público em geral, e é natural que seja assim também com a pesquisa econômica de ponta em economia. Mas um bom trabalho de divulgação científica exige a tradução desse material e um esforço grande de comunicação. Cada conceito utilizado tem de ser bem definido, às vezes trocado por um mais acessível. Por exemplo, não há nenhuma necessidade em falar em “desvalorizar a taxa de câmbio” se o que as pessoas entendem é o “dólar subir”. Além disso, as relações entre variáveis econômicas parecem muitíssimo abstratas para quem não se debruçou sobre elas. Sempre ajuda partir de exemplos da conjuntura recente, que dialogue com os interesses e a realidade que as pessoas estão vivendo.

Laura, você poderia contar às pessoas que estão estudando economia sobre a construção de uma carreira ligada à filantropia e como ela se relaciona com atividades que você já desenvolveu antes?

Enquanto diretora do Made-USP, obtivemos recursos filantrópicos para financiar bolsas de pesquisa e o trabalho de divulgação e comunicação dessas pesquisas. Esses recursos possibilitaram ao Made se tornar um dos principais e mais influentes centros de pesquisa em economia do país. Agora estou tendo a experiência do outro lado, de como impactar a formulação de políticas econômicas por meio do financiamento de uma grande rede de pesquisadores e atores sociais ao redor do mundo que estejam voltados a pensar novos modelos para uma transformação econômica verde e igualitária nos países em desenvolvimento. 

Qual você acredita ser o papel de economistas no debate público atual e de que maneira jovens economistas ingressantes nos cursos podem contribuir?

Hoje o mundo e o Brasil vivem uma crise democrática muito associada à ansiedade econômica e às transformações no mundo do trabalho. Nunca foi fácil combinar estabilidade macroeconômica, redução de desigualdades e desenvolvimento econômico sustentável. Mas mesmo quando chegamos perto e entregamos bons resultados, esses números não parecem se traduzir em maior confiança nos governos e na democracia. Estamos lidando com um grande número de novos desafios, que demandam políticas econômicas ousadas. Os jovens economistas estarão muito mais bem equipados para endereçar os desafios do século 21.

Entenda a realidade além da fachada “o agro é tudo”. A disputa pelo uso da terra, aumento de emissões de GEE e desmatamento são facetas do agronegócio, que ficam ocultas pela fachada midiática e que precisam ser consideradas nesse debate.

Nessa seção veja as colunas:

Por onde anda o desmatamento?
A concorrência pela terra
O desmatamento na prática
A economia do desmatamento no Brasil

Leia mais

Mercados de Carbono na teoria e na prática. Entenda as limitações de colocar a solução da crise climática na mão do mercado.

Leia mais

A instabilidade da cotação do dólar não é um fato isolado da economia brasileira, mas sim uma característica comum dos países do Sul global. Entenda como funciona essa dependência e quais os desafios envolvidos.

Nessa seção veja as colunas:

Onde as moedas fracas não têm vez
A subordinação financeira da América Latina
A saída é a articulação regional

Leia mais

Por que pequenas e médias empresas estão sujeitas a altas cargas tributárias enquanto grandes empresas e multinacionais conseguem se esquivar dessa responsabilidade? Entenda o caminho do dinheiro dos super ricos para driblar a justiça fiscal.

Nessa seção veja as colunas:

Novo imposto global é mínimo
Transparência está avançando
Colômbia: ativismo por justiça fiscal

Leia mais

João Raiel, graduando do curso de economia da UFPA, traz um debate sobre a crise ambiental ser uma crise do próprio modo de produção do conhecimento.

Leia mais

Nossa missão: democratizar o debate econômico e torná-lo acessível ao maior número de pessoas. Afinal, todas as pessoas deveriam compreender a complexa realidade em que vivemos.

Leia mais

Um diálogo sobre desigualdade, limites da teoria neoclássica e o papel de economistas na transformação social.

Leia mais