Entrevista com Furno e Pedro Rossi

Juliane Furno é Assessora Especial da Presidência do BNDES e Professora Adjunta da FCE/UERJ.

Pedro Rossi é Professor Livre Docente do IE/Unicamp, Diretor do Transforma.
Segundo a professora Maria da Conceição Tavares, “Se você não se preocupa com a justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata”. Nessa entrevista, primeira de uma série, queremos extrair das nossas entrevistadas um pouco da essência dessa ciência chamada economia. Juliane Furno e Pedro Rossi nos relatam como a economia não é uma ciência neutra e deve ter compromisso com a transformação da sociedade. Ambas são autorias do livro “Economia para Transformação Social: pequeno manual para mudar o mundo”, ilustrado pela Gazetinha da Guanabara, editado pela Fundação Perseu Abramo e pela Editora Autonomia Literária. Trazemos aqui algumas imagens do livro. No site da Gazetinha você encontra essas e as mais de 100 ilustrações feitas para o livro disponíveis para download.

Juliane, você vem de uma formação multidisciplinar, o que te motiva a estudar economia? Para que serve esse objeto de estudo?
Eu primeiro me graduei em ciências sociais, fui fazer graduação em economia quando estava já no doutorado. Minha motivação, desde que cursava ciências sociais, era me sentir mais útil ao debate público e à militância. Achava que a economia me possibilitaria a base técnica para entender como estávamos sendo alijados de muitos debates porque não compreendíamos as suas premissas. Isso era 2008, queria entender por que o mundo alardeava uma enorme crise, mas aqui era como se ela não chegasse, enfim. Acho que foi acertado, hoje compreendo o que dizem nos jornais, e com o estudo das ciências sociais e da economia política, consigo ter uma análise crítica.
Pedro, os cursos de economia hoje são dominados pela economia neoclássica. Quais os problemas específicos dessa abordagem? O que um estudante que entra no curso de economia deveria levar em conta?
Estudantes de economia devem levar em conta que por detrás da economia neoclássica há uma concepção filosófica de mundo. É um erro achar que esse método é livre de ideologia, pois se assenta sobre uma filosofia moral chamada utilitarismo. O utilitarismo interpreta a sociedade como resultado da interação natural de indivíduos racionais. É uma ideologia que nos conforma a aceitar um mundo que, bem ou mal, é resultado da escolha dos indivíduos. Como se a sociedade fosse produto da natureza, das escolhas individuais, e não da história, das classes e das relações de poder e exploração. Ao esconder isso tudo, a organização social é vista como um simples problema de eficiência e utilidade.

Pedro, no livro, vocês tratam da ideologia da meritocracia como um subproduto da economia neoclássica. Como essas duas coisas estão ligadas?
A pior formulação neoclássica, mais nociva para a sociedade, é a ideia de que a distribuição dos recursos feita pelo mercado, livre de falhas de mercado e de governo, é a mais eficiente e portanto aquela que deve ser escolhida e tida como justa. Se o mercado é um juiz justo, não há injustiça social na pobreza e na miséria alheia. Ou seja, se o mercado funciona bem, a remuneração do sujeito estará de acordo com sua produtividade marginal. A desigualdade é algo instrumental para os modelos neoclássicos. Os economistas neoclássicos fazem o rico dormir tranquilo e os pobres se sentirem culpados pelo seu fracasso. O estudante de economia deve refletir se ele quer contribuir para isso, ou assumir uma postura crítica.

Falta um parâmetro moral para a economia ortodoxa. Deveríamos voltar à velha economia política e reconhecer que precisamos organizar a economia de acordo com escolhas da sociedade e não em função do mercado, respaldados em supostos critérios de eficiência. A garantia de direitos humanos, por exemplo, poderia orientar a organização econômica. Isso implica que o Estado deve alocar os recursos da sociedade para entregar educação, saúde, lazer, cultura, etc. No Brasil não há escassez de recursos para isso, há uma distribuição desigual de recursos e um monte de tecnocrata dizendo que “não temos dinheiro” para manter como está essa estrutura desigual.

Ju, quais conselhos você daria a jovens economistas?
Eu diria, estudem. Não deixem de participar da vida política, de se organizar nos movimentos sociais e estudantis, mas sempre se mantenham bons estudantes. Nossa tarefa, como economistas, é árdua. Precisamos ser bons, carregamos um desafio imenso. Não caiam na falácia de que somos contra a matemática e os modelos. Adoramos eles, só não nos contentamos com seus resultados sem uma boa análise que os situe dentro da história e do conhecimento mais alargado dos fenômenos. Como militantes temos muitas contribuições e, como economistas, a batalha das ideias no campo econômico é uma delas, não podemos abrir mão. Vivemos um momento de grandes transformações e as janelas estão abertas para nós.
